Publicado em 26 de julho de 2021.

Quando falamos em Direitos Humanos, naturalmente nos referimos à Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, promulgada em 1948, que contempla as questões humanitárias. Mesmo assim, ela ainda precisava de ajustes, devido a divergências com os países de religião islâmica. Além disso, alguns clérigos islâmicos argumentavam que a base da religião fundada por Maomé, no século VI, já traz em seu alicerce as questões humanitárias. Com isso, em setembro de 1968, o Conselho da Liga dos Estados Árabes criou a Comissão Árabe de Direitos Humanos, cujos objetivos eram informar ao público árabe sobre uma outra forma de promover os direitos humanos, monitorando os Estados árabes ou contestando as violações quando descobertas. Principalmente, a comissão preocupava-se com os direitos dos árabes que viviam nos territórios ocupados por Israel.

Em 22 de maio de 2004, no entanto, a Liga Árabe adotou a Carta Árabe dos Direitos Humanos, que entrou em vigor em 15 de março de 2008, afirmando os princípios estabelecidos na Carta da ONU – incluindo, por exemplo, o direito à liberdade e à segurança das pessoas, à igualdade das pessoas perante a lei, à proteção das pessoas contra a tortura, ao direito à propriedade privada, à liberdade de praticar a religião e à liberdade de reunião e associação pacíficas estariam garantidas. Mas, ao mesmo tempo, não proibia punições cruéis, desumanas ou degradantes, como também não estendia direitos a não cidadãos de seus países em muitas áreas e autorizando restrições à liberdade de pensamento, consciência e religião. Além disso, relegava muitas questões de direitos importantes ao critério da legislação nacional – por exemplo, a pena de morte contra crianças e os direitos de homens e mulheres no casamento.

Mas ainda assim, não contemplava a demanda dos países muçulmanos, uma vez que nem todos os países muçulmanos eram árabes. Então, em 1981, foi proclamada a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos pelo Conselho Islâmico em Paris, trazendo em seu teor características bastantes peculiares adaptativas em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de 1948. Com isso, os países integrantes da Organização da Conferência Islâmica (OCI) caminhariam para a construção de um sistema de proteção aos direitos humanos baseado nos princípios culturais, históricos e econômicos do mundo islâmico. Fornecia-se, assim, uma perspectiva islâmica sobre os direitos humanos e afirmava que todos os direitos e liberdades mencionados na declaração estariam sujeitos à Sharia, ou lei islâmica, declarada no Artigo 25 como “a única fonte de referência para a explicação ou esclarecimento de qualquer um dos artigos da Declaração.”

Assim, embora use uma linguagem universalista semelhante à encontrada na Declaraçãoda ONU, um dos desafios contemporâneos é a questão da compatibilidade entre a lei islâmica e a lei internacional de direitos humanos. Esse debate assumeuma importância cada vez maior tanto no mundo muçulmano quanto no não-muçulmano.

Embora numa perspectiva do senso comum, o Islã seja visto como uma religião violenta e incompatível com a civilidade e a coexistência pacífica, gerando um ambiente favorável à islamofobia, a mídia ocidental tem tido cautela ao se referir aos grupos oriundos do Islã político, como o Talibã, no Afeganistão, deixando claro, que as ações dos movimento não são as propagadas pela religião muçulmana, e sim uma das interpretações literalistas do Alcorão. Já a liberdade de expressão tem sido o tema central dos debates e a perseguição a ativistas e jornalistas é uma realidade no mundo islâmico. Essa questão acaba sendo fulcral para a compreensão dos direitos humanos islâmicos no ocidente. Por outro lado, o indivíduo não islâmico tem de ter a noção de que, se estiver em um Estado islâmico, sua fé será tratada como secundária e, logo, ele deverá respeitar as restrições estabelecidas como a crença. Em relação à liberdade de pensamento, esse raciocínio também vale, pois a opinião, o posicionamento político ou a expressão artística não podem disseminar a discórdia ou circular notícias que afrontem a decência pública. Desta forma, a declaração legitima manifestações em defesa da moralidade sob a ótica do islã, devendo o indivíduo não muçulmano respeitar a moral muçulmana. Este direito, assim como os demais da declaração devem ser recíprocos, como também uma regra é estabelecida para ser seguida pelos países islâmicos e simultaneamente uma sugestão aos países não islâmicos, para que não se ridicularize ou se despreze a conduta muçulmana. Desta forma, sugere-se a construção de uma relação de respeito mútuo e recíproco entre os povos da Terra, buscando alcançar o respeito e a integração com diversidade.

Se, por um lado, alguns estudos ocidentais persistem em acreditar que os islâmicos se opõem à implementação dos direitos humanos e à democratização nos países muçulmanos, do outro, os círculos religiosos conservadores das comunidades islâmicas suspeitam dos direitos humanos como um conceito ocidental e estranho. Porém, as duas tradições jurídicas não são totalmente inconciliáveis e, para isso, desde a década de 1990, pesquisas de ponta têm sido produzidas para lidar com esses equívocos de ambos os lados e para buscar um nexo entre os dois sistemas. Por fim, muitos estudiosos muçulmanos e não muçulmanos têm proposto uma total reinterpretação da natureza e do significado do direito público islâmico, buscando uma compatibilidade dos dois sistemas, examinando a natureza, as fontes e os métodos da lei islâmica no contexto contemporâneo e globalizado. Espera-se que consigam!

Compartilhar